Minhas neblinas e tempestades em tufão/ Aqui/ cai granizo/ cai sereno/ molha a (se) mente/ nasce a brisa/ ora faz sol/ ora chuva torrente/ impalpável nuv-em-oção.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Aquele velho sorriso


     Era de manhã.Estava dentro do elevador, com uma roupa improvisada e simples para ir à padaria.Pouco antes de chegar no térreo, no primeiro andar, entrou  uma senhora, que aparentava ter seus setenta e poucos anos.As rugas da face sugeriam esse número, mas não eram rugas comuns.
    Naquelas curvinhas de pele, se sobressaía um sorriso colossal, de dar orgulho em qualquer fotógrafo, ou dentista.Ela tinha um aspecto radiante, extremamente contagiante, ao ponto de que até eu pude me animar incontinenti.Aqueles músculos, as bochechas, os lábios, pareciam estar rígidos de uma longa vida de alegre expressão.Pensei comigo: "Como uma pessoa que já viveu tanto, já sofreu, já se animou, conheceu a maldade do mundo, a lascívia humana, o pecado, enfim, tudo o que é detestável entre nós, pôde sorrir tão grandemente?" Talvez ela acordou num bom dia, ou, como se diz na boca popular : "acordou de pé direito".Ela talvez estivesse animada para fazer sua feira dominical, que acontece à duas quadras daqui.Ou talvez, até mesmo pra comer o pastel  de feira especial do japonês.
    Várias hipóteses se confrontavam porque a  minha inaceitação era grande.O fim(?) da vida deve ser exatamente assim, solar: radiante e caloroso; mas sempre vejo aqui nessas ruas velhos ranzinzas, solitários, visivelmente infelizes e amargurados.Aquela senhora era um peixote albino no cardume.
    Setenta e poucos anos nocauteavam meus dezenove, não só nos algarismos, mas na vontade de vida, no ânimo dessa manhã de domingo.Era esse o motivo maior de minha inquietação.Eu talvez julgasse ser feliz, mas depois daquele sorriso, puder ter mais esperança na felicidade, acreditar na vida de uma maneira nova, mais ampla .Não temos motivo para tristeza crônica. Por mais que a vida nos dê e sempre nos dará mágoas e desilusões, podemos, sim, acordar felizes num domingo qualquer.-seria porque Deus já teria se saciado de seu descanso sabatino e agora tinha forças para construir o mundo todo mais uma vez? - explicações religiosas à parte.
    Pude concluir essa corrente de pensamento quando reencontrei nossa personificação da aurora dos dias abrindo o portão  do condomínio.Gritei para que o deixasse aberto...aquele sorriso estava lá, ainda maior.Pude ter a certeza de que: se era uma expressão de simpatia unicamente usada para quebrar o silêncio e a antipatia da qual muitos daqui se armam durante o uso do elevador, ele logo se apagaria.Mas não, ele estava lá, como óleo sobre tela já seco, duro e amável.Se ela  viveu, viu e sentiu na pele a podridão do mundo não sei.Se ela realmente gostava da gritaria da feira ou se lhe agradava o recheio numeroso e indecifrável do pastel especial, também não sei,  porém ela parecia enxergar apenas o que queria enxergar :  aquilo que existe, mesmo que em pequena proporção,
mas existe,
e tem um grande poder sobre nossas vidas.


"Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira." Leon Tolstói.

 

Direitos Autorais da foto : Beaudenon Florian

Um comentário:

  1. Copyrigth of this photo : ©Beaudenon Florian, thanks to write it quickly

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