Minhas neblinas e tempestades em tufão/ Aqui/ cai granizo/ cai sereno/ molha a (se) mente/ nasce a brisa/ ora faz sol/ ora chuva torrente/ impalpável nuv-em-oção.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Gulliver e o buraco no colchão.

    Três da manhã de um dia mediano, sem muitos esforços, nem passeios, mas de grande hedonismo e ócio por ficar em casa.Pálpebras e corpo pesados me conduziram à minha cama.Demorei pra pegar no sono, pois moro próximo à uma movimentada avenida que me traz barulhos infinitos, alguns daqui mesmo, outros que viajaram quilômetros e quilômetros, talvez para fazer entregas urgentes, trabalho oficiais ou não oficias, ou apenas pra atrasar meu sono.Sempre deixo uma fresta aberta na janela, pra me alertar que o dia já nasceu  e não há mais tempo para preguiça - aviso já inútil nessas férias, mas não custa nada manter nossos hábitos -.Cumpri, enfim, a rotina preparatória para um sono talvez mais trivial do que muitos outros.Mas aquele não foi um sono comum.
    Primeiro tive a sensação de que meu quarto expandiu mais de dez vezes.Aquela visão que temos da última cena que reparamos quando estamos acordados, que ainda ecoa em nossa cabeça quando acabamos de fechar os olhos, se mostrou atrás de minhas pálpebras fechadas muito maior do que o comum.Armário, paredes, móveis no geral, muito mais distantes.Meu pé, a distancia entre meu joelhos e tronco também levavam as devidas proporções.Jurava ter uns 20 metros de altura, um gigante magro graças ao esticamento repentino, mas um verticalíssimo Titã : gigante e colossal.
   Foi uma sensação exótica, no início de se estranhar e julgar um pesadelo; mas sem monstros, assassinatos, mortes e morbidez não foi possível acordar assustado da cama.Era, no entanto, uma passagem incrível e agradável.Junto com todos esses adjetivos, a fugacidade pôde ser adicionada, porque alguns segundos se passaram para me trazer outra sensação, bem diversa.
   Todo colchão deforma com o tempo.Para evitar esse tipo de cova que aparece no local que mais ficamos posicionados, os fabricantes recomendam que viremos os lados com freqüência, para assim, dar oportunidade para a espuma deformada retomar sua forma natural descansada na parte de baixo, junto com o estrado.De súbito, a o buraco debaixo de mim começou a crescer e me afundar mais e mais.Fato estranho, pois havia virado meu companheiro de sono havia menos de três dias,  e estava usando um lado nunca antes usado.Perdi o chão, ou melhor, meu apoio do colchão.Nem o estrado, nem o piso conseguiram me deter em seguida e comecei a sentir na pele, sem força Normal ou oposta  ao meu movimento, a  mesma lei que lançou a maçã sobre a cabeça de Newton.Cogito que, se um dia pular de para-quedas, sinta algo bem próximo antes de puxar a cordinha.
    Pude me ver, com a mesma roupa que eu dormia, mas que não deve ser detalhada aqui, caindo em queda livre, sem qualquer cenário ao fundo.Era tudo escuro, sem indícios de onde vim, nem para onde eu iria.Com pânico apenas no início e tranqüilidade durante toda a agradável sensação de irromper a estratosfera sem qualquer impedimento, assim passei os últimos minutos da parte interessante do meu sono.
    Tão inesperadamente apareceram, também essas sensações se findaram, e logo voltei  monotonia ilógica dos meus sonhos que nunca me revelaram nada, apenas me mostraram colagens muito mal projetadas de elementos do meu dia-a-dia.Minha namorada gostaria de estar mais nesses produtos oníricos, mas sempre a alerto que para isso, ela deveria apreciar muito mais a desordem e odiar a razão.
    Há tempos em que quero  repetir essas sensações, mas elas me visitam quando querem, por um ou dois segundos, como uma interferência ocorrida comigo, sobre um efeito que atingirá outra pessoa, da minha casa, do meu prédio, da minha rua, do meu bairro, da minha cidade, estado, país...enfim, um felizardo qualquer, alheio a mim.
    Não, caro psicanalista, não quero sua análise fatídica, nem sua opinião acadêmica, sou muito grato, mas as recuso.Tudo o que quero é apenas sentir tudo mais uma vez, pois pude ter a chance de me libertar de tudo, desde minha mobília, meus desejos, sensações, à minhas preocupações mais profundas.
    Quem já se sentiu assim sabe o quanto isso é entorpecedor.

"Tudo aquilo que eu esquecia ou negava, soube vagamente em plena queda, era o que eu mais era." - Caio Fernando Abreu

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